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Acionista não pode se antecipar a empresa lesada para pedir reparação por ilícitos



A ação de reparação de danos causados ao patrimônio de uma empresa por atos dos administradores deverá ser proposta, em regra, pela própria companhia diretamente lesada, pois ela é a titular do direito material. Apenas em caso de inércia dela confere-se aos acionistas a legitimidade para agir.

Com esse entendimento, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça declarou incompetente o tribunal arbitral instalado a pedido de acionistas minoritários da JBS na tentativa de responsabilizar os controladores da empresa, Wesley e Joesley Batista, pelos danos causados por ilícitos narrados em acordos com o Ministério Público Federal em 2017.

Nos termos da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/1976), essa responsabilização depende de prévia deliberação da assembleia-geral. O parágrafo 3º do artigo 159 prevê que qualquer acionista pode promover a ação, desde que a própria empresa não o faça no prazo de três meses depois da decisão assemblear.

No caso, foi o BNDES, como acionista da JBS, que requisitou a assembleia-geral. Dias antes da data prevista para sua realização, um grupo de pessoas adquiriu lotes ínfimos de ações. Segundo a empresa, elas usaram brechas da lei para se habilitar a receber os dividendos de eventual condenação dos irmãos Batista.

O artigo 256, parágrafo 2º, da LSA prevê que a empresa, se condenada, além de reparar o dano e arcar com as custas, deve pagar honorários advocatícios de 20% e prêmio de 5% ao autor da ação, calculados sobre o valor da indenização.

A assembleia-geral da JBS acabou adiada até outubro de 2020 porque, antes de sua realização, foi preciso instaurar outro tribunal arbitral para decidir se os irmãos Batista poderiam ou não exercer direito a voto, por motivo de conflito de interesses.

Foi assim que, antes mesmo da instauração da assembleia, em agosto de 2017, o grupo de sócios minoritários da JBS que adquirira ações meses antes requereu a instauração do procedimento arbitral para pedir a reparação dos danos causados à empresa, referente a período em que eles sequer figuravam no quadro social.

Por fim, só em fevereiro de 2020 o tribunal arbitral decidiu que os irmãos Batista não poderiam votar na assembleia-geral. Esta, por sua vez, foi feita em outubro daquele ano e aprovou o uso da ação de responsabilidade em face dos controladores da JBS. E em janeiro de 2021, portanto dentro dos três meses de prazo, a própria empresa solicitou a instauração do procedimento arbitral para cobrar os prejuízos.

Relator no STJ, o ministro Marco Aurélio Bellizze observou que, no conflito de competência entre esses dois tribunais arbitrais, deveria prevalecer o que foi aberto pela própria JBS, pois consentâneo com a lei de regência.

"Enquanto não superado o prazo legal para que a companhia promova a ação de responsabilidade social de administradores e de controladores (três meses contados da deliberação autorizativa), os acionistas minoritários ainda não ostentam legitimidade para promover a ação social ut singili (por acionistas)", afirmou ele, ao interpretar a lei federal.

Assim, a arbitragem requerida pelos acionistas minoritários é ilegítima. O ministro destacou que não seria possível entender que a JBS, titular do direito supostamente lesado pelos seus controladores, fique impedida de prosseguir com a ação de responsabilização apenas porque determinados acionistas se anteciparam em solicitá-la. A votação na 2ª Seção foi unânime.

De repente, JBS ganhou sócios minoritários que se habilitaram a receber reparação por supostos danos cometidos por controladores

E o CPC?

Não houver divergências no julgamento. Ao acompanhar o relator, a ministra Nancy Andrighi fez algumas considerações sobre o modo como as câmaras arbitrais poderiam solucionar tais conflitos: nada disso teria acontecido se fossem aplicadas as regras do Código de Processo Civil.

“É por isso que temos que pensar se, daqui pra frente, será necessário dizermos que se aplicam as regras do CPC. Aí o próprio administrador dos painéis, da câmara arbitral, ele poderia determinar, com base nas regras de prevenção. Não sei se estamos deixando passar uma oportunidade para deixar isso expresso. Aí não haveria de estarmos julgando questões que não estariam enquadradas na regra constitucional”, afirmou.

Como mostrou a ConJur, a aplicabilidade da norma processual brasileira aos procedimentos de arbitragem é contestada por especialistas. A ideia é de que o CPC só seja usado se as partes concordarem previamente que assim o seja.

Na 2ª Seção, o assunto gerou debate entre os ministros. A ministra Isabel Gallotti falou sobre o tema antes de a ministra Nancy se manifestar. Disse que não cabe o CPC porque as câmaras arbitrais não são órgãos do Judiciário, inclusive porque cabe às partes escolherem os árbitros, que devem ser de sua confiança, alheios a possíveis litisconsortes que venham a ser integrados na arbitragem.

Para o ministro Luis Felipe Salomão, o melhor seria ter uma regra que fixasse a atribuição de resolução dos conflitos para o administrador da câmara arbitral. “Ele nos tiraria esse ônus. Acho que era a solução mais viável. Mas enquanto não vier, temos que ir resolvendo”, lamentou.

Segundo o ministro Salomão, as próprias câmaras arbitrais poderão criar regras para disciplinar como tratar a hipótese de conflitos internos positivos de competência. “Esse caso vai estimular as câmaras a, ciente dessa possibilidade, se prepararem para que não aconteça de novo”, destacou o ministro Bellizze.


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