Legislação

Juiz fundamenta prisão em "sentença oral" e STJ dá HC a acusado de homicídio



A legislação penal orienta as autoridades judiciais a utilizar aparelhos audiovisuais para registrar a oitiva da pessoa presa durante a audiência de custódia. Mas isso não significa que o juiz possa se abster de documentar também em ata escrita os fundamentos quanto à legalidade e manutenção da prisão.

Essa regra, prevista na Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi citada pelo ministro Rogério Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, em decisão que concedeu liminar em habeas corpus para um homem acusado de crime de homicídio qualificado na cidade de Adolfo (SP), cuja prisão preventiva foi decretada somente com base em registro audiovisual de sentença proferida oralmente na audiência.

Com a liminar, o acusado terá o direito de aguardar em liberdade o julgamento final do habeas corpus. A decisão é da última quinta-feira (9/6).

De acordo com o advogado que defendeu o homem no processo, Diego Vidalli dos Santos Faquim, a decisão do STJ é "um precedente histórico para a consolidação de jurisprudências acerca do tema envolvendo liberdade provisória e homicídio qualificado".

O caso

Segundo os autos do processo, F.S.S foi preso em flagrante em abril deste ano, "por ter supostamente cometido homicídio duplamente qualificado" no município de Adolfo. A prisão em flagrante foi convertida em preventiva durante a audiência de custódia na 6ª CJ do Foro de São José do Rio Preto (SP), em 30 de abril. 

No início de maio, a 2ª Vara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou liminar com pedido da defesa para que o homem pudesse recorrer em liberdade. O juiz que presidiu o tribunal entendeu que a prisão cautelar do acusado é "legítima", pois já foram "comprovadas a existência do crime, indícios de autoria, bem como a necessidade de garantia da ordem pública”.

A defesa de F.S.S recorreu ao STJ alegando que a prisão preventiva não pode ser decretada com finalidade de antecipação de cumprimento de pena e que são ausentes os requisitos da medida cautelar, incluindo a ausência de fundamentação escrita. Ressaltou também que o acusado é réu primário, possui bons antecedentes e não se dedica às atividades criminosas. 

Apesar de rejeitados pelo TJ-SP, os argumentos receberam parecer positivo da Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP).

Ao avaliar o caso, o procurador de Justiça Paulo Reali Nunes disse que o crime que F.S.S é acusado de ter cometido é "extremamente grave", mas isso não pode ser utilizado como único fundamento para o cerceamento automático de sua liberdade.

O procurador ressaltou que não foi levado aos autos nenhum fato que indicasse que o acusado, caso fosse solto, pudesse interferir na investigação do caso, nem que viria a colocar em risco a ordem pública. Também destacou que não há nenhuma evidência de que o episódio seja representativo da conduta habitual do homem, visto que é réu primário.

"Nada faz supor que sua mantença em liberdade vá pôr em risco a ordem pública ou frustrar a aplicação da lei penal", avaliou.

'Garantia fundamental'

Em sua decisão, Rogério Schietti afirmou que toda prisão preventiva "deve estar permanentemente sob controle judicial, quer seja para determiná-la, quer seja para permitir sua continuidade" e que esse controle pressupõe a "existência de ordem constritiva escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente". 

O ministro citou o artigo 8º da Resolução 213/2015, segundo o qual a oitiva da pessoa presa deve ser registrada, preferencialmente, em mídia. Segundo o magistrado, contudo, isso "não permite ao magistrado desincumbir-se de fazer constar em ata escrita os fundamentos quanto à legalidade e à manutenção da prisão, bem como fornecer cópia da ata à pessoa presa e a seu defensor”.

A regra consta no inciso III do artigo 8º, que determina que a ata da audiência deve conter um resumo da "deliberação fundamentada do magistrado quanto à legalidade e manutenção da prisão".

"Trata-se de garantia fundamental, que acabou sendo reproduzida pela legislação processual", disse Rogério Schietti.

O magistrado lembrou ainda que a exigência também está presente no artigo 5º, LXI, da Constituição Federal: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade competente". É o que também prevê o artigo 283 do Código de Processo Penal.   

"Não se admite, portanto, que alguém tenha a prisão preventiva decretada, por força de decisão proferida oralmente na audiência de custódia, cujo conteúdo se encontra apenas registrado em mídia audiovisual, sem que tenha sido reduzida a termo, e sem que haja indicação dos fundamentos que ensejaram a constrição consignados em ata (ou mesmo a sua degravação)", concluiu o relator.

Com isso, o ministro deferiu a liminar para suspender, até o julgamento do mérito do habeas corpus, a determinação de prisão preventiva. É cabível, segundo o magistrado, a possibilidade de nova avaliação, "mediante decisão fundamentada, sobre a necessidade de imposição de medida de natureza cautelar".

HC 748.034


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