Educação

Justiça aceita ação penal contra moçambicano por estupro na USP



Mais um aluno da Universidade de São Paulo (USP) acusado de estupro virou réu na Justiça. O juiz Donek Hilsenrath Garcia, da 1.ª Vara Criminal de Pirassununga, aceitou denúncia contra um estudante que veio de Moçambique para estudar na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA-USP). O jovem deixou o país em dezembro. Há exatos vinte anos, a professora Ana Lúcia Pastore finalizava o livroEstupro: crime ou cortesia?, em parceria com outras duas pesquisadoras, sobre estupro e o crime no âmbito jurídico. Atualmente, Pastore é Advogada, professora e chefe do Departamento de Antropologia da USP, e coordenadora do Núcleo de Antropologia do Direito da USP (NADIR). Integra, ainda, o em Violência, Democracia e Direitos do Núcleo de Estudos da Violência da USP e é membro da rede Não Cala. Às vésperas de reeditar seu livro, ela lamenta que poucas conclusões negativas sobre o mesmo tenham mudado. Como antropóloga, vale a pena destacar que o conceito de cultura é super importante para a área, e é polêmico. A ideia de que hábitos, costumes, e a língua são o que tornam um grupo identificado é o que a gente pode chamar de cultura. Ao longo do século XX veio a ideia de que realmente não existe nada ou praticamente nada de natural, ou nada que aconteça por puro impulso genético no ser humano. Tudo é construído na vida em sociedade. E, portanto, cultura é isto que dá sentido a todo e qualquer ato humano em relação com outros seres humanos. Essa produção de sentidos é múltipla dentro de uma mesma sociedade, dos seus subgrupos. Então, cultura não é um conceito que unifica. Ele até multiplica muitas coisas. Falar em cultura do estupro pode levar ao engano de pensar que existe um conjunto muito fixo de comportamentos, de hábitos, ligados ao estupro. E eu acho que justamente não é bem assim. O que a gente pode afirmar é que, claro, em uma sociedade de tradição patriarcal e machista como a brasileira, existem padrões que de certa forma sustentam qualquer violência de gênero. Mas isso é algo que permeia os vários grupos sociais de maneiras muito peculiares. Então não há uma cultura. Há coisas que perpassam a sociedade e que não tem a ver só com o estupro. Foi publicado recentemente um desenho (feito pela Anistia Internacional da Espanha) que é um iceberg da violência. Este desenho mostra que o feminicídio e o estupro, ou seja, as formas mais violentas, são só a ponta do iceberg. E aquilo que não se vê e sustentam o iceberg é muito maior e muito mais múltiplo, e que vai desde a propaganda que torna a mulher totalmente objetificada, até as ofensas verbais. Ou seja, é mais interessante pensar mesmo o conceito de violência para pensar o estupro. Como uma espécie de circuito que se retroalimenta de ódios, de uma série de valores, que vão desde o machismo até o tema da violência doméstica. No caso dessa moça do Rio de Janeiro, ele é excepcional. A maioria dos estupros acontece envolvendo só o agressor e a vítima, no ambiente doméstico. Ali parece que havia conhecidos (e isso está dentro de uma tendência que se observa na maior parte dos estupros), mas a maioria dos casos sequer chega à polícia, muito menos à mídia, não vai para as redes sociais. Eu acho que pensar em cultura do estupro é meio empobrecedor. Acho que a gente tem que pensar no conceito de violência e na ideia de um circuito que se retroalimenta de muitas variáveis, e que por isso não pode ser resolvido com facilidade, com respostas punitivistas. Aumentar as penas, colocar em questão a pena de morte, são soluções muito simplistas.

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