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Para reduzir 80 milhões de processos, STF e STJ planejam núcleos de mediação e conciliação



Com 80 milhões de processos em andamento e sem conseguir dar conta da demanda, o Judiciário busca alternativas para a solução dos conflitos. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) querem reforçar o uso de métodos consensuais. Ambos têm projetos para a criação de núcleos especializados em mediação e conciliação — algo que já ocorre de forma mais estruturada nas esferas estadual e trabalhista. A ideia é defendida pelo ministro Dias Toffoli desde os seus primeiros discursos como presidente do STF. "O Judiciário tem que se abrir", disse logo que assumiu o cargo. Poucos meses depois encomendou o estudo que servirá de base para o formato que será implantado pelo tribunal. O STJ está mais adiantado. Já mudou o regimento interno e pretende criar um centro de soluções consensuais de conflito dentro da sua própria estrutura. No local serão realizadas audiências de conciliação e sessões de mediação e serão desenvolvidos programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição. Presidente da Corte, o ministro João Otávio de Noronha (foto) afirma ter como compromisso implementar esse centro ainda na sua gestão, que termina em setembro de 2020. Já há, inclusive, uma minuta de resolução para regulamentar o funcionamento, elaborada pela ministra Nancy Andrighi. O formato a ser adotado pelo STJ é diferente, no entanto, do que pretende o STF. A ideia, no Supremo, é mais simples: formar um grupo de profissionais especializados para auxiliar os ministros. O modelo que será utilizado ainda está em estudo. Cogita-se, segundo fontes que acompanham o projeto de perto, o uso da lista de profissionais cadastrados no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ou no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), por exemplo. O gabinete da presidência está fazendo um mapeamento dos modelos que já existem para avaliar o mais adequado. Não há hoje, no Supremo, um quadro de conciliadores e mediadores para apoiar os gabinetes. As audiências, quando ocorrem, são feitas pelos próprios ministros ou por juízes instrutores que são designados pelo relator. O ministro Dias Toffoli, por exemplo, designou um dos juízes-auxiliares da presidência, no fim de junho, para presidir uma audiência de conciliação sobre a permanência de comunidades indígenas em uma faixa de proteção ao reservatório da hidrelétrica de Itaipu, no Paraná. Ainda não houve acordo. Uma nova sessão está marcada para 7 de agosto. A prática de mediação e conciliação não é rara no tribunal. A ministra Rosa Weber e o ministro Luiz Fux já a adotaram, por exemplo, para tentar resolver conflitos entre entes da federação. Quando eclodiu a crise na fronteira com a Venezuela, no ano passado, a ministra colocou na mesma mesa os representantes da União e os do Estado de Roraima. A disputa tratava sobre o fechamento da fronteira e os gastos do governo estadual com os imigrantes. Fux já havia feito o mesmo, há cinco anos, com os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A discussão, na época, era sobre a captação de água do Rio Paraíba do Sul para abastecimento do Sistema Cantareira, em São Paulo. Os métodos consensuais estão previstos pelo CNJ desde 2010, quando foi editada a Resolução nº 125. Ganharam mais força em 2015, com a edição do novo Código de Processo Civil (CPC) e de uma legislação própria à mediação, a Lei nº 13.140. Ainda assim, se comparado com outros países, pode-se dizer que o Brasil está atrasado, diz a advogada e professora Selma Lemes. Os Estados Unidos, por exemplo, cita, começaram na década de 80 e hoje utilizam os métodos consensuais de forma ampla. "Principalmente pelas empresas. Elas veem a mediação como uma questão de negócio", afirma a advogada. "O custo de uma demanda judicial é muito alto. A mediação acaba sendo mais barata e resolve o conflito em menos tempo." Na Argentina, só é permitido entrar com ação judicial se a parte apresentar um requerimento afirmando que tentou resolver o conflito por mediação ou conciliação. "E lá tem funcionado bem", comenta Selma. Há diferenças entre as duas técnicas. O mediador não sugere qualquer solução para o conflito. Ele auxilia as partes e elas propõem a solução. O conciliador, por sua vez, pode interferir e dar sugestões sobre o acordo. Ambos são vistos no meio jurídico com instrumentos capazes de desafogar o Judiciário - apesar do uso ainda incipiente no país. O novo CPC tornou obrigatória a realização de tentativa de conciliação ou mediação. Consta no artigo 334 que o juiz, ao receber o processo, deverá designar a audiência e que o não comparecimento injustificado do autor da ação ou do réu será considerado "ato atentatório à dignidade da Justiça" e haverá multa de até 2% do valor da causa. Na prática, no entanto, nem sempre é isso o que acontece, observa a advogada Vera Cecília Monteiro de Barros, sócia do escritório de Selma Lemes. "O novo CPC veio bem intencionado, mas faltou uma estrutura prévia do Judiciário para essas audiências", diz. "Muitos juízes simplesmente não marcam. Porque entendem que não cabe ao caso ou que vai atrasar o processo ou porque não tem estrutura", acrescenta. É inegável, no entanto, que houve um avanço nos últimos anos. A última edição do Justiça em Números mostra que a quantidade de Centros Judiciários de Soluções de Conflitos (Cejuscs), instalados nos tribunais estaduais, aumentou muito. Em 2014, existiam 362 em todo o país. Em 2017, eram 982. De acordo com esse mesmo levantamento, a Justiça do Trabalho é a que mais fecha acordos. Do total de casos em tramitação no ano de 2017, 25% foram resolvidos de forma consensual. O caminho de um processo até os tribunais superiores costuma ser longo. Pode levar mais de uma década. No entanto, para o advogado Alexandre Wider, do escritório Siqueira Castro, o fato de um caso estar nas mãos de um ministro não impede as partes de entrar em consenso. "O mediador é treinado para usar todas as ferramentas e mudar a visão das partes em relação ao processo", afirma. " Isso pode ser feito em qualquer etapa." A advogada e professora Selma Lemes lembra que, mesmo com sentença favorável, a parte vencedora poderá levar ainda de cinco a seis anos para receber o que lhe é devido - no caso de indenização ou ressarcimento, por exemplo - porque o processo volta à instância de origem para o início da fase de execução "O desgaste nessa etapa já está imenso" diz. Selma Lemes afirma, no entanto, que nos acordos ocorre o que se chama de "ganha-ganha". "Cada um precisa ceder um pouco. A parte não vai receber tudo o que acreditava ter direito, mas vai receber antes e acabar com o sofrimento."

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