O entendimento é do Supremo Tribunal Federal. A corte decidiu, em sessão virtual encerrada nesta sexta-feira (18/12), que uma propriedade do Paraná que adquiriu dívidas referentes à compra de insumos não pode ser penhorada. O caso teve repercussão geral reconhecida (Tema 961).
O relator do caso foi o ministro Luiz Edson Fachin. Ele foi acompanhado por Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Nunes Marques e Luis Roberto Barroso abriram divergência. Seguiram Barroso os ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux. Foi com Nunes Marques o ministro Gilmar Mendes.
Em seu voto, Fachin afirmou que a Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, inciso XXVI, a impenhorabilidade da pequena propriedade rural para pagamento de dívida.
"É preciso reconhecer, portanto, que a redação conferida pelo legislador constituinte ao inciso XXVI é aquela que se volta à proteção da família e de seu mínimo existencial e, por exclusão, não ao patrimônio do credor. Diante desta constatação, verifica-se que a regra geral, quando se trata de dívida contraída pela família, em prol da atividade produtiva desenvolvida na pequena propriedade rural, pelo grupo doméstico, é a da impenhorabilidade".
O autor do agravo afirmou que o imóvel poderia ser penhorado por três motivos: a família possui outra propriedade rural; o imóvel não se enquadraria dentro do conceito de pequena propriedade; e foi indicado como garantia hipotecária para pagamento de dívidas.
Fachin rebateu os três argumentos. Segundo ele, o artigo 4, II, a, da Lei da Reforma Agrária (Lei 8.629/93) define como pequena propriedade rural aquela com área compreendida entre um e quatro módulos fiscais. Cada módulo fiscal varia de 5 a 110 hectares, a depender da área total do município.
"Mesmo que o grupo familiar seja proprietário de mais de um imóvel, para fins de impenhorabilidade, é suficiente que a soma das áreas não ultrapasse o limite de extensão de quatro módulos fiscais", disse.
Com relação ao bem ser penhorável por ter sido indicado como garantia hipotecária — exceção prevista no artigo 4º, parágrafo 2º, da Lei 8.009/90 —, o ministro afirmou que a Constituição garante a impenhorabilidade da pequena propriedade rural e que seu texto deve prevalecer.
Com isso em vista, foi fixada a seguinte tese:
"É impenhorável a pequena propriedade rural familiar constituída de mais de 01 (um) terreno, desde que contínuos e com área total inferior a 04 (quatro) módulos fiscais do município de localização".
Divergência
Ao abrir divergência, Barroso concordou com o relator no que diz respeito ao fato de que ter mais de uma propriedade não impede a impenhorabilidade do pequeno imóvel rural, desde que não excedido o limite de quatro módulos fiscais. No entanto, o ministro divergiu quanto ao oferecimento do bem como garantia.
"No caso dos autos, os recorridos ofereceram imóvel em garantia hipotecária para a aquisição de insumos para sua atividade econômica. Evidentemente, a garantia prestada — inclusive com possibilidade de penhora do bem ofertado — foi fator determinante para a própria celebração do contrato em questão, possibilitando o exercício da atividade econômica pelos recorridos. Sem a prestação da garantia, possivelmente o contrato não teria sido assinado pela empresa, ora recorrente", disse.
Ainda segundo ele, "as decisões judiciais devem preocupar-se com o efeito sistêmico que produzirão sobre o mundo dos fatos". "Isto é ainda mais verdadeiro para as decisões que têm repercussão geral, como a presente. E, no caso concreto, como já afirmei, a generalização do entendimento firmado pelo tribunal a quo poderá produzir grave impacto negativo sobre o mercado de crédito rural para pequenos proprietários."
Nunes Marques também divergiu, mas focou seu voto apenas no que diz respeito ao oferecimento do imóvel como garantia hipotecária. "A circunstância da hipoteca haver sido oferecida em garantia real desautoriza a invocação do postulado da impenhorabilidade da propriedade em análise. Admitir o contrário se constituiria, a um só tempo, em enriquecimento ilícito, bem como em clara violação do princípio da boa-afé objetiva", pontuou.